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Nesse sentido, o novo filme alemão que acaba de chegar à Netflix é um soco de realidade. O longa é baseado no livro de Erich Maria Remarque, um clássico pacifista escrito em 1929 que já ganhou outras adaptações, mas chega ao streaming em uma nova versão que mostra que a obra segue muito atual quase um século depois de ser publicada. Isso porque a jornada do jovem soldado alemão Paul Bäumer (Feliz Kammerer) é a mesma de tantas pessoas fora da ficção. Ainda que a história seja inteira ambientada na Primeira Guerra Mundial, ainda nos deixamos levar por histórias heroicas de um passado glorioso ou por discursos sedutores que levam muita gente a lutar por uma batalha que não é delas. E toda a trajetória de Nada de Novo no Front é justamente a hora que a ficha cai — quando a morte bate à porta, o medo gela o sangue e todos os ideais e as palavras bonitas dão lugar à dura realidade de que a guerra é uma merda.
Um estalo de realidade
Parece distante falar sobre a importância de um filme como Nada de Novo no Front em uma realidade como a brasileira, que não possui histórico bélico como outras nações. E, de certo modo, isso faz sentido. Só que, talvez por isso mesmo, a nossa relação com a guerra é muito mais narrativa. Sem um conflito real, travamos as batalhas seguras que o cinema e outras mídias apresentam — o que torna essa imagem heróica e gloriosa de um confronto muito mais sedutora e atraente. E é por isso que Nada de Novo no Front é um filme tão impactante e, ao mesmo tempo, indigesto. Ela é um filme de guerra naquilo de mais sujo e pesado que há numa linha de frente, traduzindo de forma bastante dura e realista a sensação que é estar em alerta constante com medo de ser alvejado ou bombardeado por um inimigo. Isso faz com que a sua narrativa não seja em nada parecida com aquela que vemos em outros filmes do gênero. Esqueça o dinamismo de O Resgate do Soldado Ryan ou mesmo a agilidade e a urgência de 1917, que também se passa na Primeira Guerra Mundial. No longa alemão, tudo é muito mais lento e pesado. Esse é um tom que pode pegar muita gente de surpresa e até desagradar quem espera um ritmo mais tradicional. Contudo, esse ritmo quase arrastado que a película adota faz todo o sentido para a história que está sendo contada. Afinal, Bäumer e seus companheiros estão presos em uma das tantas trincheiras do front ocidental e a espera e a apreensão é uma marca do conflito. Sem poder avançar por causa do risco de serem massacrados pelas tropas inimigas logo à frente, há pouco o que fazer. Apenas esperar por longos meses por uma mudança que nunca chega e convivendo constantemente com esse fantasma da morte — uma realidade dura que começa a afetá-los psicologicamente. Alguns passam a enlouquecer pouco a pouco, enquanto outros veem a própria esperança ou mesmo a humanidade indo embora.
Foco no lugar certo
E o roteiro constrói muito bem essas transformações. O fato de Nada de Novo no Front acompanhar o lado perdedor da Grande Guerra dá um peso muito maior para tudo o que está sendo contato. Primeiro porque você já sabe que toda a luta de Bäumer e seus companheiros é em vão, criando um tom trágico a essa jornada desde o seu início. Além disso, a linguagem cinematográfica sempre nos ensinou a ver a História pelo lado dos vencedores. Os filmes de Segunda Guerra, por exemplo, focam a trama nos Aliados e tratam os demais — geralmente alemães — como um inimigo sem rosto que existe apenas para ser derrotado. Pois bem, eis que temos o outro lado sendo retratado.
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Esse novo olhar é algo que ganha ainda mais sentido já no início do terceiro ato, quando Bäumer parece finalmente se dar conta da loucura que é a guerra. Preso na Terra de Ninguém diante de um soldado francês, eles lutam quase até a morte para, somente quando é tarde demais, eles perceberem o quanto tão iguais: dois jovens com medo enviados para uma guerra que não é deles e sonhando com voltar para casa. A construção dessa cena, inclusive, é uma das coisas mais impactantes de Nada de Novo no Front. É fácil sentir o medo, o desespero, o arrependimento e toda a mistura e a confusão de sentimentos diante da morte diante da ótima atuação de Kammerer. É aquele momento em que, assim como os personagens, a gente se dá conta de que não há nada de belo em uma guerra e que essa é uma percepção transformadora.
O senhor da guerra
O discurso pacifista do livro de 1929 segue presente no filme da Netflix não só em mostrar a imundice das trincheiras da Primeira Guerra Mundial ou as condições a que as tropas eram submetidas. Também não se limita apenas ao mostrar como é horrendo tirar uma vida de alguém com os mesmos ideais que o seu. O grande acerto dessa história é mostrar como as coisas chegam a esse ponto. A todo momento, Nada de Novo no Front apresenta o contraste entre a realidade de quem está no campo de batalha e a segurança dos senhores da guerra — os generais que, com discursos fáceis e palavras bonitas, convencem os jovens a arriscarem suas vidas por aqueles ideais que, em muitos casos, nada mais são do que conceitos que não estão em jogo. Assim, enquanto as tropas estão bebendo uma água podre e se alimentando com restos, eles seguem com seus banquetes e bem longe das bombas e dos tiros. O papel desses personagens fica claro tanto na cena inicial, quando um oficial inflama Bäumer e seus amigos a se alistarem para lutar essa guerra que já aparentava estar perdida, quanto na sequência final com o General Friedrichs (Devid Striesow). Ele é quem melhor representa essa alta classe de oficiais que vivem pela guerra, mas não morrem por ela. O próprio general se descreve como esse soldado nascido forjado nos campos de batalha, mas não é ele quem vai em uma última missão claramente suicida apenas por não concordar com a rendição de seu país. Mais do que isso, é emblemático ver como esse personagem é quem vai plantar o mesmo discurso revanchista que recomeça o ciclo — e que, no caso do Império Alemão, vai gerar um sentimento que vai dar origem ao Partido Nazista anos mais tarde. Não por acaso, Nada de Novo no Front termina da mesma forma que começou, mostrando como a guerra nada mais é do que uma máquina de moer gente.
Vale a pena ver Nada de Novo no Front?
Talvez por justamente fugir da estrutura de Hollywood é que a nova adaptação de Nada de Novo no Front funciona tão bem. O longa alemão não se preocupa em momento algum em se encaixar na fórmula do cinema americano, o permite que seu roteiro explore muito bem a mensagem do livro de Erich Maria Remarque sem cair nas armadilhas de criar um herói ou uma jornada de redenção que desvie o foco da mensagem central. É claro que há um preço para isso. Como dito, o ritmo do filme difere muito do que estamos acostumados a ver em outras histórias de guerra, o que pode ser frustrante para quem espera encontrar algo mais ágil e regado a adrenalina. Só que o tom mais lento por aqui está bem longe de ser um problema, pois é algo que contribui para a narrativa. As coisas são demoradas em um nível que você sente o peso do tempo tanto quanto aqueles pobres miseráveis preso em uma trincheira cheirando a lama e sangue — e algumas outras coisas mais. E isso torna tudo muito opressor, colaborando demais para a mensagem que está sendo construída. É dessa forma que o roteiro faz com que a gente se aproxime tanto de Bäumer e dos demais pobres coitados ao seu lado. Ainda que sejam atores desconhecidos para nós, todos eles entregam um excelente trabalho na hora de fazer com a gente se afeiçoe até sinta pena deles na jornada miserável em que embarcaram. No fim das contas, Nada de Novo no Front não é um filme fácil, mas é assim por uma razão. Para que a sua mensagem funcione, abre mão das facilidades narrativas que permitem justamente a imagem idealizada que ele combate. E, por mais pesado que seja encarar mais de 2h30 de uma história tão dura assim, é uma viagem que vale a pena. É uma adaptação tão potente, necessária e atual quanto o livro que a inspirou. Nada de Novo no Front está no catálogo da Netflix.